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No passado dia 18 de abril comemorou-se o Dia Internacional dos Monumentos e Sítios. Para o efeito, o Museu Nacional de Machado de Castro, em parceria com a Universidade de Coimbra, realizou a ação de sensibilização “Cuidar para Conservar. Alta de Coimbra, Património Mundial”. Por sua vez, no mesmo dia, o Diário As Beiras, dedicou o tema do dia às pichagens e os elevados prejuízos que causam no património.
A preocupação com este fenómeno é legítima, no entanto, ela só acontece porque, aquando da candidatura a Património Mundial, as entidades responsáveis se esqueceram de incluir a pichagem na proposta. Portanto, agora querem erradicar a pichagem do Património Mundial. Esta é a verdade! Assim sendo, os conimbricenses, e em particular os residentes da Alta, deveriam rapidamente organizar-se para propor a realização de uma petição para incluir a pichagem conimbricense no Património Mundial da cidade. O tempo urge, concidadãos! A Câmara e a Universidade têm demonstrado, ao longo dos últimos anos, uma acérrima vontade em acabar com esta “forma pública de afirmação individual ou de grupo”. Para eles, a pichagem é puro vandalismo! Mas para nós, residentes da Alta, esta vontade é motivo de sofrimento e angústia. A pichagem não é vandalismo, é parte integrante da paisagem da Alta há muitos anos. Há evidências que até os romanos pichavam as pedras do fórum de Aeminium, tal como agora se picha o Museu Nacional de Machado de Castro. Portanto, a pichagem conimbricense é uma tradição secular. Imaginem o que seria para um residente da Alta deitar-se e sonhar com uma reivindicação política pichada na parede de sua casa - que orgulho – e ao sair na manhã do dia seguinte, pasme-se, deparar-se com uma parede branca! Um estupro!
Além disso, as pichagens não causam prejuízo ao património. Tornam o património mais precioso e interessante para os turistas. Por exemplo, o que seria a Casa dos Melos sem a sua exclusiva pichagem “Já ninguém sabe o que é felicidade e quem sabe já só vive na saudade”. Profundo, não é?! Esta pichagem é fotografada vezes sem conta pelos turistas. Quem tiraria uma fotografia a uma parede branca? Ninguém! Reparem na importância da pichagem para a humanidade. A Casa dos Melos dá a volta ao mundo e eu posso refletir sobre o significado de ser feliz.
A pichagem conimbricense permite, também, elevar a cultura dos residentes da Alta, e de quem por aqui passa, a um patamar mais elevado. Temos pichagens em português, espanhol, inglês e grego. Temos pichagens com referências ao mundo das letras, da filosofia, da música, da botânica e do erotismo, etc. Todos os dias posso ler frases de poetas conhecidos ou anónimos, filósofos como Noam Chomsky, ou visualizar figuras da música, como Lou Reed ou Daniel Johnston. No entanto, a pichagem, também tem aspetos negativos. Por exemplo, uma das minhas filhas começou a ler recentemente. Consequência, agora anda pela nossa rua a juntar as letras da palavra ‘fuck’. Um outro aspeto negativo da pichagem é que se encontra demasiadamente restringida à Alta de Coimbra. Todos os conimbricenses deveriam ter direito à pichagem e alguns a uma pichagem personalizada. Não se preocupem, a pichagem é gratuita e silenciosa. Aqui na Alta, verdade seja dita, só lidamos com pichadores profissionais. Mas atenção concidadãos, os nossos pichadores são homens e mulheres livres. Picham o que lhes dá na real gana.
Além disso, as paredes brancas por pichar dos edifícios da Alta estão a escassear. No entanto, para contrariar esta escassez existem os antipichadores. Os antipichadores picham as pichagens dos pichadores. Há diferenças evidentes entre os pichadores e os antipichadores. Os pichadores picham de noite, são, portanto, notívagos e a sua cor preferida é o preto. Os antipichadores picham de dia e a sua cor preferida é o branco. É preto no branco ou se preferirem branco no preto!
Não deixem a pichagem morrer por falta de espaço e por vontade da Câmara e da Universidade. A pichagem também pode ser uma oportunidade. A Faculdade de Letras, que tem algumas pichagens, poderia oferecer um mestrado sobre este assunto. Os operadores turísticos poderiam organizar visitas guiadas às pichagens com guias devidamente formados, ou ainda passeios tuk tuk. Imaginem a gastronomia local enriquecida com um prato dedicado a esta temática, intitulado “Pichas à moda de Coimbra”. Assim sendo, todos juntos vamos lutar contra a decisão da Câmara e da Universidade em acabar com a pichagem conimbricense. Não deixem a profissão de pichador desaparecer. Logo à noite, não se esqueçam conimbricenses, sejam solidários com os residentes da Alta e pichem, pichem contra quem quer banir as pichagens e os pichadores!
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